Trata-se de uma adaptação de um capítulo do livro Diálogos com Leucó (1947) de Cesare Pavese, que pega no mito que nos fala de Safo (poetisa da Grécia Antiga) e da ninfa Britomartis, na ligação com a espuma do oceano e na ideia de morte devido a um desgosto amoroso. Evitando uma narrativa linear, são também adaptadas componentes do livro como notas de rodapé ou informações extratextuais, conferindo-lhe uma dimensão poética que ultrapassa os limites do texto.
Tú me abrasas, o novo filme de Matias Pineiro, afasta-se do seu estilo anterior: antes de mais, porque é o primeiro dos seus filmes que não se baseia nas obras de Shakespeare. É uma adaptação de Sea Foam, um dos capítulos de Diálogos com Leucò de Cesare Pavese. Mas também uma mistura de obras fragmentárias de Safo, que lhe foram recomendadas por uma das atrizes secundárias do filme, Agustina Muñoz (ela mesma regular em seus trabalhos). E por fim, insere o diário que manteve durante a realização do filme. É um filme rodado em película 16 mm, banhado por cores quentes e muita luz solar, que fala de desejo e nostalgia.
Matias Piñeiro descobre que sente uma ligação, uma proximidade com a discussão entre Safo e Britomartis, Um era real, o outro era uma ninfa, uma criação, uma figura mitológica. Essa mistura dá-nos uma ideia de desejo, morte, vontade, acidente, problema. Um ciclo de planos recorrentes tenta responder à questão do que poderia ser uma adaptação de um poema. As discussões entre a poetisa Safo (Saidón) e a ninfa Britomartis (Villar) rejeitam a lógica do plano-contraplano, concentrando-se em vários outros tipos de imagens, ou em retratos silenciosos das atrizes. O filme é um convite à reprodução da experiência fragmentária da leitura em contexto cinematográfico. (Mickael Gaspar)