23 MAIO — 02 JUNHO 2024

23 MAIO — 02 JUNHO 2024

Não precisam de dormir de olhos abertos para verem bem estes filmes.

Com filmes provenientes de diferentes geografias e movimentos, a Competição Internacional reúne trabalhos de novos e promissores realizadores e reflecte a procura de linguagens estéticas e formais inovadoras. Acima de tudo, é uma secção que pretende ser uma reflexão sobre o estado actual do mundo. No total são 12 longas e 34 curtas e aqui ficam alguns destaques.

Em Rising up at Night, Nelson Makengo visita Kinshasa numa altura em que a República Democrática do Congo está envolta em turbulência e foca a construção de uma central elétrica ao mesmo tempo que a cidade tem difícil acesso a electricidade, tornando as noites bem mais escuras. Em Malqueridas, Tana Gilbert usa o telemóvel para captar clandestinamente  imagens de uma comunidade de mulheres numa prisão chilena. Entre a pobreza e a saudade, o que se transmite e transcende as paredes que cercam as mulheres é o amor pelos filhos distantes e a força das ligações que se criam em confinamento. 

Dormir de Olhos Abertos, de Nele Wohlatz, é uma delicada e cómica série de enganos passada no Recife, Brasil, em que personagens se vão encontrando e desencontrando como uma colectânea de postais fragmentados. 

The Missing, filme de animação de Carl Joseph Papa, aborda de forma tocante o tema do trauma, físico e emocional, e também o da necessária reconciliação. Eric é um artista dedicado à animação que literalmente não tem boca, comunicando apenas através de um quadro à volta do pescoço. Demasiado introvertido para confessar sentimentos ao seu colega de trabalho, vive isolado até ao dia em que a mãe lhe pede para visitar o tio Rogelio e durante a qual a sua forma de pensar muda radicalmente. 

Nas curtas, começamos por destacar as que se afastam da temática do mundo digital e da Inteligência Artificial: 27 (Palma de Ouro de Cannes em 2023) e Un movimiento extraño (Urso de Ouro para Melhor Curta-Metragem). O primeiro aborda a repressão familiar como força castradora e o segundo acompanha uma jovem guarda num museu de Buenos Aires que, para combater as noites aborrecidas, decide começar a prever o futuro. 

Em Les yeux verts o foco está na prestação de Denis Lavant enquanto alguém que, entre memórias e vídeos, procura lembrar-se de todos os detalhes da sua mulher para a recriar, aludindo à nossa relação com a Inteligência Artificial e o mundo digital. As imagens geradas por IA são o foco de 512×512, uma exploração de como o factor uncanny destas imagens se pode tornar num objecto de fascínio, especialmente quando tentamos usá-las na escavação de uma obsessão. The Oasis I Deserve aborda o uso integrado de Inteligência Artificial em jogos e filmes, e incorpora imagens assim geradas, mas também conversas com um chatbot que nos revela todas as tendências e preconceitos do ser humano. 


Este ano, a selecção Silvestre apresenta 8 longas e 14 curtas que partilham uma linguagem autoral singular. Nesta secção cruzam-se a ficção, o documentário, a animação e o cinema experimental, não discriminando entre jovens talentos e nomes consagrados. A secção mantém o foco competitivo, mas sem escolhas fora de competição.  

Destacamos em primeiro lugar duas comédias unidas pela arte sonora: Between the Temples, de Nathan Silver, e A Traveler’s Needs, de Hong Sang-soo. O primeiro filme acompanha a crise existencial de Ben, um cantor numa sinagoga que está a perder a voz, mas que redescobre uma faísca dentro de si quando a sua antiga professora de escola reaparece. No filme coreano, Isabelle Huppert regressa como uma mulher francesa incompreendida na Coreia do Sul. Dedicada à bebida alcoólica makgeolli e entretida a tocar um piano para crianças, descobre um talento especial para ensinar a sua língua através da poesia.

Mambar Pierrette, de Rosine Mbakam (Grande Prémio de Longa-Metragem Cidade de Lisboa em 2021), acompanha uma costureira dos Camarões, mãe de três filhos, com um marido que não ajuda nas despesas, uma máquina que tem de reparar e clientes que regateiam o preço das indumentárias que cria. As adversidades vão-se acumulando e a real força da sua resiliência vai ter de vir ao de cima quando sucede uma tragédia.

Cidade; Campo, de Juliana Rojas, lida com a estranheza e inquietação das migrações do campo para a cidade e vice-versa e com todo o tipo de bagagens que as mudanças acarretam.

Nas curtas, An Asian Ghost Story, é uma história de imperialismo e pós-guerra contada através do objecto mais inócuo: a peruca. Em Tornadoes, Annabelle Amoros mostra as formas como o capitalismo tem de explorar os medos de quem se quer proteger usando o contexto dos fenómenos meteorológico dos tornados no coração dos Estados Unidos. Lawrence Abu Hamdan (prémio Turner em 2019) regressa para revelar as tácticas dissimuladas em que reparou durante  a pandemia. Apesar do tráfego aéreo do Líbano estar parado, o barulho provocado por aviões israelitas tornou-se um zumbido forte e constante nas vidas dos cidadãos, criando uma violência atmosférica.

The Diary of a Sky é um filme surpreendente sobre um problema insidioso. Piblokto, de Anastasia Shubina e Timofey Glinin, mostra a vida de comunidade na região mais remota da Rússia, onde a subsistência dos locais está ligada a uma cadeia de alimentação que envolve criaturas como morsas e baleias. Two Wars, uma curta de Jan Ijäs, retrata dois cenários italianos com importância nas duas Grandes Guerras do século XX: o mosteiro de Monte Cassino e a ligação com Ludwig Wittgenstein, e a vila de San Pietro e a ligação com John Huston.

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