COMPETIÇÃO Mary Woodvine protagoniza uma voluntária que vai registando as suas observações diárias. Isolada numa ilha sem habitantes na costa da Cornualha, vamos sentindo o peso da tragédia tanto na paisagem como no passado da mulher que vamos acompanhando. Mark Jenkin constrói uma atmosfera fantasmagórica que esbate a linha entre sonho e realidade.
Enys Men significa ilha rochosa em Cornish, a língua celta falada na região da Cornualha. Não sabemos se é realmente o nome da ilhota onde o filme tem lugar, mas para dizer a verdade não sabemos tudo o resto: o nome desta mulher, a natureza exacta da sua investigação botânica, a data exacta onde tudo isto tem lugar. Esta ausência deliberada de respostas é contrabalançada por uma encenação alucinada, a meio caminho entre o bucólico e o terror, capaz de transformar o mais pequeno passeio pelo mar e o ritual sobrenatural, o mais pequeno traje vermelho num espectro de Nicolas Roeg, o menor monte de seixos num monólito kubrickiano.
No seu primeiro filme, o fascinante Isco (vencedor do Prémio do Público para o IndieLisboa 2019), o cineasta britânico Mark Jenkin já demonstrou uma incrível inventividade visual: imagens envelhecidas e retrabalhadas artificialmente, edição poética bruta, paisagem sonora meticulosa com relevos inesperados. Encontramo-lo aqui em toda a sua singularidade, mas já não é utilizado como contraponto a uma história socialmente ancorada (tradição e modernidade num porto de pesca). Em Enys Men, Jenkin lança-se ainda mais dos ancoradouros da realidade, utilizando e redistribuindo elementos de horror popular com um apetite infeccioso. (Mickäel Gaspar)