COMPETIÇÃO Um documentário que explora o corpo humano de forma clínica mas íntima. Tudo começou com uma série de livros do século XVI sobre anatomia humana que dá a conhecer um estudo detalhado do interior do nosso corpo. Aqui, a câmara viaja por cinco hospitais, em Paris, e pelo trabalho de cirurgias e autópsias que lá se desenrolam, numa visita sensorial e imersiva ao nosso literal e vulnerável âmago, numa abstração expressionista.
A que lugares pode levar um documentário? A toda a parte. Desde Leviathan (grande prémio IndieLisboa 2013) e Caniba (IndieLisboa 2018) somos testemunhas de que a câmara de Verena Paravel e Lucien Castaing-Taylor se estende por onde a quiserem levar. Para este novo filme, ela esgueira-se pela mais improvável das intimidades: o interior do corpo humano. No encalço do gesto dos cirurgiões, infiltra-se no âmago das pessoas retratadas por entre crânios, vísceras e pupilas. Mais do que o infinitamente pequeno, a parelha de realizadores filma o infinitamente secreto, enquanto o redimensiona em proporções épicas. Posto a nu no grande ecrã, num cenário repleto de sombras e labirintos, o interior do corpo torna-se humano.
De humanis corporis fabrica é um filme sensorial que segue o seu próprio rasto de migalhas através de diferentes registos: da ficção científica à tragicomédia, do terror ao cinema social, passando pelo cinema abstracto. Repórteres sem Fronteiras Cinematográficas, a dupla de realizadores contesta a rigidez excessiva na definição de documentário. A sua câmara vai até aos confins. Quer no sentido literal, imersa na carne sem qualquer respiradouro, quer no sentido figurado, pela sua extraordinária ousadia. (Mickäel Gaspar)