Num mundo alarmantemente reminiscente ao da nossa pandemia, o toque tornou-se tabu, o que leva pessoas a cometer actos irrefletidos, porque a tentação e o desejo às vezes é mais forte. Para responder a este impulso, existe o hotel de Matta e Matto, onde tudo o que se deseja está à distância de um dedo, mas onde nada é oferecido sem um duro custo a pagar.
No famoso poema de Daniel Filipe, A Invenção do Amor (maravilhosamente levado ao cinema por António Campos), inventa-se uma sociedade distópica onde o amor foi proibido: “Um homem, uma mulher (…)/ É preciso encontrá-los antes que seja tarde/ Antes que o exemplo frutifique/ Antes que a invenção urgente do amor se processe em cadeia”. As realizadoras Bianca Caderas e Kerstin Zemp não terão lido Daniel Filipe, mas na ressaca dos confinamentos inventaram uma sociedade onde o toque está interditado. Reduzidos às suas esferas de circulação, os habitantes descobrem os serviços de um hotel onde as várias fantasias sensoriais são satisfeitas. Contudo, o modelo de negócio dos estalajadeiros é bastante perverso: para sentirem o toque, os clientes têm de prescindir daquilo que toca. Posto doutro modo, criando um desejo pela sua frustração, o sistema capitalista encontra um mecanismo de toque transitivo, onde o consumidor recebe o serviço mas perde o poder de “autodeterminação sensorial”. Uma enigmática parábola aberta a múltiplas leituras. (Ricardo Vieira Lisboa)