Um dia de Novembro no Porto, numa praça onde skaters saltam um lance de escadas. Três personagens partilham um momento que se bifurca em três planos subjectivos e que, sem diálogos, se propõem a caracterizá-las emocionalmente. É posta em causa a ideia de amor partilhado.
Como na pintura rococó (por exemplo, de Marguerite Gérard), onde múltiplas personagens ocupam um espaço e traçam, entre si, múltiplas linhas de olhar (a partir das quais se podem especular todos os tipos de ficções), também em The Illusion of an Everlasting Kiss Marta Sousa Ribeiro (de quem o IndieLisboa exibiu Simon Chama em 2020) encena, a partir de um pequeno episódio do quotidiano, um campo de olhares cruzados em permanente circulação. Seguindo o esquema narrativo de Rashomon, regressamos uma, outra e outra vez a uma mesma situação, e a cada repetição descobrimo-la segundo um novo ponto de vista. Só que a realizadora literaliza essa ideia a partir de três câmaras subjetivas que se colam a três corpos. Esta subjetivação opera, portanto, segundo esquemas de desejo e repulsa que traduzem formas de entender os outros a partir de diferentes posições de género, sexualidade, classe e geração. A partir do banal, Sousa Ribeiro ensaia uma intrigante reflexão sobre a potência furtiva do olhar e sobre o palco social da realidade. – Ricardo Vieira Lisboa