Libuše Jarcovjáková, já apelidada de “Nan Goldin da Checoslováquia”, encontra-se num ambiente sufocante depois da Primavera de Praga de 1968. Há poucos locais onde se pode expressar livremente ou explorar a sua sexualidade. A câmara como companheira constante — e a origem do material do filme, composto pelas suas inúmeras fotografias e excertos dos seus diários — captura a ida dela para Berlim Ocidental, escapar para Tóquio, e o regresso à Europa.
Eram tempos de uma enorme asfixia na Praga pós invasão Soviética para uma jovem que estava certa que não queria ser mãe, que sentia uma atracção pela cena queer e que queria ser… fotógrafa. Essa fotógrafa sentiu o impulso visceral de se libertar e fugir do país onde nascera. Falamos sobre Libuše Jarcovjáková e a máquina fotográfica é a sua companheira constante, com ela captura os dias e, sobretudo, as noites em milhares de fotografias analógicas:
Fotografa a cena queer de Praga, o marginal T-Club, foge para a Berlim Ocidental e anos mais tarde testemunha a queda da Cortina de Ferro, voa até Tokyo onde se aventura na fotografia de moda, regressa à Europa, regressa a casa, voltar a arriscar sair. E procura descobrir quem é, narrando dilemas que se revelam intemporais.
Em I’M NOT EVERYTHING I WANT TO BE (dos mais belos títulos!), com apenas as fotografias e as entradas dos diários que ela mesma lê, a artista Libuše Jarcovjáková e a cineasta Klára Tasovská constroem um retrato íntimo e corajoso da busca incessante da identidade, do conhecimento do próprio corpo, da descoberta da sexualidade, da inestimável emancipação, do singelo dia-a-dia, e das complexas teias das emoções.
É a historia de Libuše contada por Klára num documentário precioso, uma viagem pela História e pelas estórias de ser-se Mulher, um filme sublime que merece elogios inesgotáveis e que em tudo representa o espírito do cinema independente. Por entre um jogo de luzes, uma montagem onde as still images se tornam moving images e uma música estonteante, estamos perante uma experiência sensorial. Cinema e a fotografia dissolvem-se, na retina fica impressa a vida.
Com enorme alegria contaremos com a presença da cineasta e da fotógrafa no IndieLisboa. Estreia nacional a não perder! (Alexandra Ferraz)