Talvez uma montanha não possa pertencer a ninguém, mas as memórias e a sua presença nelas resultam em algo imerso em tradição. Tudo o que é olhado com nostalgia tem de ser confrontado com olhos crescidos. O que fazemos com a morte (do simbolismo) de uma montanha?
O que é uma montanha senão uma grande estrutura geológica? Do ponto de vista humano, é uma barreira e, por isso mesmo, um local de passagem. As montanhas sempre delimitaram fronteiras naturais entre territórios, mas o que sobra delas numa Europa com liberdade de circulação? Nuno Escudeiro recolheu histórias em Briançon, nos Altos Alpes franceses, e no Vale de Susa, na parte ocidental de Piemonte, e a estas juntou filmes caseiros do Superottimisti Archivo di Film di Famiglia. A partir destes materiais, que se fundem imperceptivelmente com imagens contemporâneas da mesma região, o realizador desenvolveu, com Clémentine Coutant, um testemunho, tão real quanto metafórico, de uma infância dourada na montanha que desemboca na atual crise dos refugiados. Destruir a montanha implica eliminar as tradições e as vivências que lhes estão acopladas, mas é também uma forma de fazer nascer algo novo, liberto de dominações nacionalistas. É preciso ser-se montanha para que ela possa morrer, connosco. (Ricardo Vieira Lisboa)