Uma vida em isolamento colmatada por histórias de aventuras passadas lá fora, até que uma aventura em forma de homem bate à porta, também ele com uma história, sobre o seu próprio passado.
Dos gémeos Rapazote conhecemos Corte (2020), cuja estreia internacional aconteceu no Festival de Cannes em ano de pandemia. Daí que seja curioso que o filme seguinte desta dupla comece por a febre, numa curiosa analogia com a doença. E que tal voltarmos ao princípio e dizermos que a juventude destes dois rapazes não se sente em momento algum do filme? Se de Manoel de Oliveira estávamos constantemente a gabar a sua jovialidade de pensamento e realização, permitam-me inverter o jogo e dizer que a maturidade intelectual, linguística e a (impossível) experiência na realização são as suas “armas”. Em A Febre de Maria João viajamos para o séc. XIX, para o tempo dos almocreves e das guerras liberais. Estamos num único espaço de representação mas não fomos ao teatro. É a mestria da câmara que nos orienta entre os segredos (bem) escondidos daquele palco. E é na certeza do texto (como em Corte) que o filme se deslinda, deslaça, desata, revelando interpretações notáveis de actores dirigidos com a segurança de um mestre. É preciso ainda acrescentar que a marca de um autor está nos detalhes e aqui é surpreendente a forma como está tudo lá, sem se ver, sem ser espampanante ou exibicionista. Os gémeos Rapazote são portadores de luz. (Miguel Valverde)