Um filme que pega em imagens de centenas de filmes noir, maioritariamente americanos, mas não só, para criar uma colagem cronológica de momentos intrigantes e cativantes que, deslocados do seu contexto, constroem novas paisagens visuais. Um zig-zag iconoclasta pela matéria do cinema, que se verte num ensaio sobre tropos e recorrências de um dos géneros mais marcantes da história do cinema.
Serge Daney entendia a relação do realizador com o crítico de cinema como um jogo de ténis, em que a bola era, à vez, o filme e o texto crítico. ragtag é, até certo ponto, uma inversão disso, fazendo do espetador-realizador-crítico a bola, jogada, para a frente e para trás, entre um filme e outro. Giuseppe Boccassini, que trabalha fundamentalmente com found footage, estreia-se na metragem longa com esta viagem ziguezagueante pelo cinema noir clássico, reduzindo ao mínimo a narração e concentrando-se na potência dos gestos, dos grandes planos e das recorrências formais e de composição. A montagem em vai-e-vem está algures entre o cinema de Martin Arnold e as vídeo-instalações em loop de João Onofre, a partir de filmes como Martha, L’Eclisse ou 2001. Até certo ponto, esta forma de nos lançar, desorientados, num manancial de títulos mais ou menos reconhecíveis traduz, metaforicamente, a angústia do espetador antes da escolha de um filme, no tempo da máxima acessibilidade digital. A cinefilia feita hipnose. (Ricardo Vieira Lisboa)