Nicolas imagina outros mundos, longe da sua rotina quotidiana. Prefere sonhar com as viagens de Ulisses ou de Jack London. Imaginar que também ele poderá viajar para bem longe. Nicolas é filho de Sabrina, mas foi retirado à mãe e colocado numa instituição de acolhimento. Os dias passam, pontuados por alguns acontecimentos, como ver a mãe ou ir para o bosque com o amigo Saef. Mas Nicolas continua à deriva.
Em 2001, Marie Dumora apresentou a sua primeira longa-metragem, Avec ou sans toi, uma imersão de um ano centrada em quatro crianças institucionalizadas, entre elas Belinda e Sabrina, duas irmãs com idades compreendidas entre os nove e os onze anos. Em 2004, com Emmenez-moi, a realizadora interessou-se por um amigo de Belinda antes de reencontrar Sabrina, que entretanto tinha sido mãe com 15 anos, em Je voudrais aimer personne em 2010, para em 2017 voltar a redesenhar as três etapas da jovem Belinda (IndieLisboa 2017), um fascinante Boyhood documental. Cineasta da intimidade, Marie Dumora é especialista em filmar cenas que observam o dia-a-dia das suas personagens. Com pequenos toques, o quadro compõe-se à volta de um vínculo afectivo entre um filho e a sua mãe, em consonância com a hereditariedade da sua história familiar e sociológica complicada (“Nós nunca conseguimos grande coisa na vida”, confessa Sabrina a Nicholas). Um peso que a autora sabe aliviar subtilmente, nunca julgando os personagens, mas, ao contrário, observando-os atentamente, com ternura e sem manipular as suas emoções. Uma abordagem humilde, cheia de humanidade, casada com um rigor formal que faz de Loin de vous j’ai grandi um filme capaz de ser, ao mesmo tempo, duro e suave, que acompanha essa canção ouvida pela família reconstituída : “Não me arrependo de nada porque tu bem sabes que numa vida, há sempre chatices. Tenho a esperança que um dia as coisas dêem a volta.” (Mickäel Gaspar)
