23 MAIO — 02 JUNHO 2024

23 MAIO — 02 JUNHO 2024

Um Mapa do Mundo nas Longas-Metragens da Competição Internacional do IndieLisboa 2021

A Competição Internacional é sempre uma das secções mais aguardadas do festival, ano após ano. E há uma razão clara para tal. Não só é a secção que liga fronteiras, aproxima e dialoga entre culturas como é também a secção que demarca a tonalidade para o tipo de cinema que marcará presença no festival, espalhado depois pelas restantes secções e sessões especiais. No ano em que o IndieLisboa atinge a maioridade, as longas-metragens da Competição Internacional revelam uma multiplicidade de vozes, transversais e conscienciosas, que através de discursos cinemáticos muito variados, servem como pendente para uma das preocupações mais amplas do festival nestes últimos 18 anos de existência: munir-se de armas para destruir os muros que enjaulam o pensamento.

Com parte da programação da Competição Internacional anunciada no início do mês – 32 curtas-metragens -, a secção completa-se agora com 12 longas-metragens que viajam do Kosovo à Georgia, passando pelas montanhas Apalaches e Argentina, e não só trazem para primeiro plano talentos já confirmados, como os de Alice Diop, Rosine Mbakam ou Julian Faraut, como alertam para novas vozes que têm encantado tanto espectadores como críticos pelo mundo, como é o caso de Ephraim Asili, Norika Sefa, Manque la Banca, Emma Seligman ou Alexandre Koberidze. Dentro destes filmes, 6 são documentários e 6 dramas ficcionais, e há 7 mulheres cineastas este ano a encabeçar a secção.

The Last Hillbilly, Diane Sara Bouzgarrou & Thomas Jenkoe
The Last Hillbilly, Diane Sara Bouzgarrou & Thomas Jenkoe

Nos documentários, está The Last Hillbilly, um olhar sobre uma geração de pessoas que habitam as montanhas Apalaches no Kentucky, e que dá abertura a Brian Ritchie, um “hillbilly”, de confirmar os vários estereótipos associados aos que completam a comunidade, mas que também dá asas a um novo retrato das suas pessoas poeticamente cosido no processo. Por falar em pertença, Nous, de Alice Diop será um dos grandes destaques da secção este ano. Um filme-ensaio, que tem como mote a pluralidade do gesto humano, traça retratos isolados que compõem as histórias e as caras da nação francesa assombrada por divisões e fracturas. Um testemunho filmado. Na mesma linha de pensamento, encontra-se Radiograph of a Family, que num acto profundamente íntimo dá a conhecer a vida e casamento dos pais da cineasta Firouzeh Khosrovani, pessoas que não poderiam estar em pólos mais opostos do secularismo e da ideologia islâmica religiosa. Khosrovani fá-lo através do uso de imagens de arquivo, cartas e conversas, radiografando pelo caminho os conflitos no âmago da sociedade iraniana. Outro registo cru é o de Rosine Mbakam, cujo cinema se tem focado na experiência migrante. O IndieLisboa propõe o seu mais recente filme, Les Prières de Delphine, sobre uma jovem camaronesa que carrega uma bagagem de sofrimento e se alia à exploração de Mbakam de temas como o peso e o domínio das sociedades patriarcais sobre as mulheres africanas e a exploração sexual. Entretanto, em Tóquio, nos Jogos Olímpicos de 1964, uma equipa feminina de vólei japonesa vence a medalha de ouro, e Julien Faraut, cineasta extraordinaire de desporto (L’empire de la perfection), relembra o momento histórico setenta anos depois, em Les Sorcières de L’Orient. Para além destes, há também Esquí, filme que marca o regresso de Manque La Banca ao IndieLisboa (depois da sua curta-metragem T.R.A.P. ter sido seleccionada para a secção Silvestre em 2018) e continua a assinalar a homenagem a uma hibridez, um cinema livre de constrangimentos, espelhado nesta sua primeira longa através do retrato de Bariloche, a meca na Patagónia para os amantes do ski.

No campo da ficção, destaca-se The Inheritance, primeira longa-metragem de Ephraim Asili, filme meta-textual, centrado numa comunidade de artistas e activistas negros, na zona oeste de Filadélfia, que junta o marxismo a uma lembrança do movimento de libertação MOVE, bombardeado pela polícia em 1985. Enquanto isso, nos arredores de Madrid, moradores que contruíram as suas casas de raiz são obrigados a realojar-se, em La Última Primavera, primeiro filme da holandesa Isabel Lamberti, que convoca o Neorealismo italiano para explorar a mudança que esta comunidade é obrigada a passar. Há um segundo vislumbrar da natureza selvagem nos Apalaches em A Dim Valley, de Brandon Co

IndieLisboa Um Mapa do Mundo nas Longas-Metragens da Competição Internacional do IndieLisboa 2021
What do We See When We Look at the Sky?, Aleksandre Koberidze

lvin. Parte alegoria queer, parte folclore, é uma versão etérea e moderna de um filme de amor livre dos anos 60 que tem no seu centro um biólogo mal-humorado e os seus assistentes de pós-graduação. Ainda nos Estados Unidos, mas agora numa Brooklyn altamente claustrofóbica durante um shiva, período de uma semana de luto judaico, uma jovem é colocada numa posição ingrata de ter que se defrontar com ela mesma, o seu futuro, a ex-namorada, o sugar daddy e múltiplos parentes bisbilhoteiros. Uma comédia ácida e nauseante, de Emma Seligman, Shiva Baby, que faz desta secção uma a não perder. Por falar em claustrofobia, Looking for Venera leva-nos até uma pequena vila no Kosovo com três gerações a habitarem a mesma casa. Nela, vive também Venera, uma adolescente sem espaço para crescer e explorar quem pode vir a ser. Um primeiro filme sensível de Norika Sefa, é um filme observacional que infere a importância de alimentar a fome pela liberdade pessoal. Nesta linha de filmes calmos e resplandecentes, está What Do We See When We Look At The Sky?, filme-pérola de Aleksandre Koberidze, cuja câmara traz poesia aos gestos mais quotidianos, numa ode ao amor, ao futebol e ao cinema. Em jeito de conto popular moderno, centra-se num meet-cute clássico, e um amor amaldiçoado, e é outro dos grandes destaques da programação deste ano, no meio de filmes que viajam por um mapa do mundo, e nos entram na pele antes de nos apercebermos de que estão em nós.

 

PROGRAMAÇÃO

  • A Dim Valley, Brandon Colvin, fic., EUA, 2020, 92’
  • Looking for Venera, Norika Sefa, fic., Kosovo/Macedónia do Norte, 2021, 111’
  • The Last Hillbilly, Diane Sara Bouzgarrou/Thomas Jenkoe, doc., França/Catar, 2020, 80’
  • Shiva Baby, Emma Seligman, fic., EUA, 2020, 77’
  • What Do We See When We Look at the Sky?, Aleksandre Koberidze, fic., Geórgia/Alemanha, 2021, 150’
  • Esquí, Manque La Banca, doc./fic., Argentina/Brasil, 2021, 74’
  • The Inheritance, Ephraim Asili, doc./fic., EUA, 2020, 101’
  • Nous, Alice Diop, doc., França, 2021, 115’
  • La Última Primavera, Isabel Lamberti, fic., Espanha/Países Baixos, 2020, 77’
  • Radiograph of a Family, Firouzeh Khosrovani, doc., Irão/Noruega/Suiça, 2020, 80’
  • Les sorcières de l’Orient, Julien Faraut, doc., França, 2021, 100’
  • Les prières de Delphine, Rosine Mbakam, doc., Bélgica/Camarões, 2021, 91’

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